quinta-feira, 29 de maio de 2014

Filosofia: os regimes políticos entre os gregos -Heródoto – História III, §79-82.

Heródoto apresenta um debate em que personagens defendem cada um dos seguintes regimes políticos, democracia, oligarquia e monarquia. A monarquia é o governo de um, a oligarquia de poucos e a democracia de muitos, mas há em cada um dos regimes riscos graves a que todos estão expostos na cidade. Vejamos os argumentos: §80 – Otanes, §81 – Megabizo, §82 – Dario




LXXX (80)— Cinco dias depois do restabelecimento da ordem, os que se tinham revoltado contra os Magos reuniram-se em conselho para tratar do estado atual dos negócios. Suas deliberações, embora pareçam fantasiosas a alguns Gregos, não são, por isso, menos verdadeiras. Otanes, incentivando os Persas a exercerem a autoridade em comum, assim lhes falou: “Sou de parecer que não se deve, de agora em diante, confiar a administração do Estado a um único homem, pois o governo monárquico não é nem suave nem bom. Vistes o grau de insolência a que chegou Cambises, e acabastes de experimentar a autoridade do Mago. Como, pois, poderá ser a monarquia uma boa forma de governo, se o monarca faz o que quer, sem prestar conta dos seus atos? O homem mais virtuoso, elevado a essa alta dignidade perderá logo todas as suas boas virtudes. A inveja é natural nos homens, e as regalias desfrutadas com um monarca levam-no à insolência. Ora, quem possui esses dois vícios adquire todos os outros, e comete uma infinidade de crimes, ora por excesso de insolência, ora por inveja. Um tirano (déspota) devia ser um homem exemplar, já que tem toda espécie de regalias; mas é o contrário que se verifica, e seus súditos sabem-no muito bem por experiência. O tirano odeia as pessoas honestas e parece deplorar que elas ainda existam. Somente com os maus se sente bem. Presta facilmente ouvido à calúnia e acolhe bem os delatores; e o que é mais engraçado, se o louvamos com moderação, ofende-se; se o louvamos com efusão, ofende-se do mesmo modo, atribuindo esse gesto a interesses mesquinhos. Finalmente, temos o mais terrível dos inconvenientes: infringe as leis da pátria, comete violências contra as mulheres e manda matar quem muito bem lhe pareça, sem processo ou qualquer outra formalidade.
Não se dá o mesmo com o governo democrático, que chamamos isonomia (Mesma Lei, Igualdade), que soa como o mais belo de todos os nomes. Neste, não é permitido nenhum dos abusos inerentes ao Estado monárquico. O magistrado é eleito por sorte (sorteio), e torna-se responsável pelos seus atos administrativos, sendo todas as deliberações tomadas em comum. Sou, por conseguinte, pela abolição do governo monárquico e pela instauração do governo democrático, pois todo poder emana do povo”.
LXXXI (81)— Tomando a palavra, Megabizo opinou pela oligarquia. “Penso, como Otanes, que é preciso acabar com a monarquia e aprovo tudo o que ele acaba de expor; mas quando ele nos convoca a colocarmos o poder supremo nas mãos do povo, afasta-se do bom caminho. Nada mais insensato e insolente do que uma multidão inconsequente. Procurando evitar-se a insolência de um tirano, cai-se sob a tirania do povo sem freios. Haverá coisa mais insuportável? Quando o soberano toma uma medida, sabe bem por que a toma; o povo, ao contrário, não usa a inteligência nem a razão. E que de outro modo poderia ser, se jamais recebeu instrução e não sabe o que é belo nem o que é mais conveniente? Lança-se num negócio às cegas, sem julgá-lo, qual uma torrente que tudo arrasta. Possam os inimigos dos Persas adotar a democracia! Quanto a nós, escolhamos homens virtuosos e coloquemos o poder em suas mãos. Acho que podemos incluir-nos nesse número, e, de acordo com a lógica, os homens sensatos e esclarecidos só podem dar excelentes conselhos”.
LXXXII (82)— Dario falou em seguida, formulando seu parecer nos seguintes termos: “A opinião de Megabizo sobre a democracia me parece justa e muito sensata, mas discordo quanto ao que ele afirmou em favor da oligarquia. Das três formas de governo que se podem propor — o democrático, o oligárquico e o monárquico — considerados no seu grau possível de perfeição, o monárquico me parece muito superior aos outros dois, pois é opinião geral não haver nada melhor do que o governo de um único homem, quando este é um homem de bem. Em tais condições, ele não poderá deixar de governar de uma maneira irrepreensível. Todas as deliberações serão secretas, e o inimigo não terá nenhum conhecimento delas. O mesmo não acontece com a oligarquia. Sendo o governo composto de vários indivíduos aplicados ao serviço do bem público, surgem frequentemente entre eles inimizades particulares e violentas. Cada um quer ser o mais poderoso e fazer prevalecer sua opinião; daí os ódios recíprocos, as sedições; e destas ao morticínio, e, finalmente, à monarquia. Aí está por que o governo de um só é preferível ao de muitos. Por outro lado, quando o povo manda, é impossível não implantar-se a desordem no Estado. A corrupção, uma vez estabelecida, não produz ódios entre os maus; ao contrário, une-os por laços de estreita amizade. Os que desmoralizam o Estado agem de combinação e se sustentam mutuamente; continuam a fazer o mal até erguer-se um defensor do povo para reprimi-los. Este que a eles se opõe torna-se, então, admirado, e essa admiração faz dele um monarca — o que prova ainda que a monarquia é a melhor forma de governo. Em conclusão, de onde nos vem a liberdade? De quem a obtemos? Do povo, da oligarquia ou de um monarca? Pois se é verdade que por um único homem fomos libertados da escravidão, concluo ser necessário mantermos o governo monárquico. Aliás, nunca se deve infringir as leis da pátria quando elas são verdadeiramente sábias, pois isso seria perigoso”.
LXXXIII (83)— Foram essas as três opiniões expostas, recebendo a última a aprovação dos outros quatro chefes insurrectos. Então, Otanes, que desejava ardentemente estabelecer a isonomia, vendo seu parecer rejeitado ergueu-se no meio da assembleia e falou assim: “Persas, já que é preciso que um de nós se torne rei; que a sorte ou o sufrágio da nação coloque um de nós no trono; ou que por qualquer outro meio a ele suba um de nós, não me tereis como concorrente. Não desejo nem mandar nem obedecer; cedo-vos o lugar, com a condição, porém, de não ficar sob a autoridade de nenhum de vós, nem eu, nem meus parentes, nem os meus descendentes, até o fim dos tempos”.

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